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24 de maio de 2019
Pela simplificação legislativa

Há uma máxima que diz que a ninguém é conferido o direito de desconhecer a lei. Ela mesma é lei, diga-se: está incorporada no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Nenhum tipo de ignorância é admitido. Todos nós, indistintamente, precisamos ser inteiros. Acumuladores incansáveis de conhecimento jurídico.
Em país de dimensões continentais, com capacidade de produção normativa atribuída a cada ente federativo (a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os cerca de 5.500 municípios) e a cada ente ou órgão que integra a administração pública (autarquias, fundações, empresas estatais, ministérios, secretarias, departamentos e por aí vai), a tarefa é árdua. Para conhecer a vastidão das normas, dispense o resto: ocupe-se apreciando leis.
Esse cenário precisa mudar. Ainda que a máxima (ou mesmo o art. 3º da LINDB) não o seja, a forma de produção normativa no Brasil deve ser alterada. Por diversas razões. Ela faz com quem seja inviável ter acesso rápido e coeso às normas em vigor. Cada publicação gera choque na vida de pessoas e empresas. É necessário se debruçar sobre o novo texto e de lhe dar interpretação. Demanda-se tempo de adaptação às disposições. Negócios são impactados. A liberdade de atuação é restringida, revisitada, acuada.
Há outra afirmação jurídica que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (prevista no art. 2º, II, da CF). Deveríamos poder conhecer, ao menos, as normas que nos impõem condicionamentos, limitações. Quais são elas? Quem as edita? Por qual razão?
Vamos a exemplo do problema. O sistema de busca de legislação no site da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é divido em critérios. Há resoluções, súmulas, deliberações, portarias. A última resolução publicada, datada de 21 de fevereiro de 2019, é a de nº 5.841. Qual o conteúdo de todas elas? São efetivamente necessárias? Quais estão revogadas? Todas produzem efeitos jurídicos? Há relação entre elas e outros atos normativos editados pela ANTT ou por outros órgãos e entidades? Como impactam empresas e usuários submetidos à regulação?
A imensa atividade de produção normativa espanta. Pensemos no seguinte: a ANTT foi criada pela Lei 10.233/2001; num cálculo bastante simples, cada ano possui 250 dias úteis; considerando que 18 anos se passaram desde a sua criação (ou 4.500 dias úteis), a ANTT tem editado mais de uma resolução por dia útil. Se fossemos considerar os demais atos normativos (portarias, deliberações...), o resultado seria ainda mais espantoso (obscuro, desastroso...). Em sentido diverso, há apenas uma (sim, uma...) súmula, que data de 18 de julho de 2018. Se um dos objetivos das agências reguladoras é o de garantir uniformidade, previsibilidade e tecnicidade para os setores que ordenam, não deveríamos ter menos resoluções e portarias e mais súmulas (que consolidariam o entendimento sobre determinada matéria)?
A problemática não é exclusiva da ANTT. Pensemos no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Tente encontrar em seu site ato normativo que discipline o procedimento de aplicação de penalidades (algo relevante para todos os agentes setoriais). A pesquisa pela palavra penalidades provê 211 resultados. Quais os atos normativos relevantes? Há algum geral, que trate indistintamente do tema? Não deveria haver compilação simples, para fácil visualização geral?
E se extrapolássemos o exercício para todas as leis veiculadas por Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas e para os atos normativos delas derivados? Sobra normatização e falta certeza...
Precisamos de comportamentos legislativos opostos, como instrumento para que pessoas físicas e jurídicas saibam ao que se sujeitam e os porquês da sujeição. Um deles passa pela revisão de estoques regulatórios, com identificação de normas que podem ser revogadas, compiladas e atualizadas: simplificação no processo de elaboração, de produção e de divulgação de leis.
Também deveria haver esforço para se garantir acesso simples a conjuntos de atos normativos que disciplinam certo tema. Não é preciso muito: basta disponibilizá-los em site institucional, de forma organizada, com adoção de linguagem simples, acessível. Se a ninguém é escusado o desconhecimento da lei, o mesmo se aplica à administração pública. Verificar leis, decretos e regulamentos em vigor e publicá-los deveria ser algo singelo, não?
A recém-publicada Medida Provisória 881/2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, lida com problemas históricos da burocracia brasileira.
Aprovação tácita em caso de não manifestação de órgãos, segurança jurídica para a inovação não regulada e imposição geral de análise de impacto regulatório são bons avanços. Representam mudanças para melhoria do ambiente de negócios. Mas precisamos ir além. Sua conversão em lei pode, e deve, tratar de problemas de criação legislativa.
A ordenação precisa ser coerente e compreensível. Leis e expedientes burocráticos ou que tenham se mostrado obsoletos não são bem quistos. Contrariam o desenvolvimento e a livre iniciativa, reconhecidos constitucionalmente. O Estado precisa mudar posturas. Precisamos de simplificação legislativa, de reconhecimento da liberdade de atuação.
Em país de dimensões continentais, com capacidade de produção normativa atribuída a cada ente federativo (a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os cerca de 5.500 municípios) e a cada ente ou órgão que integra a administração pública (autarquias, fundações, empresas estatais, ministérios, secretarias, departamentos e por aí vai), a tarefa é árdua. Para conhecer a vastidão das normas, dispense o resto: ocupe-se apreciando leis.
Esse cenário precisa mudar. Ainda que a máxima (ou mesmo o art. 3º da LINDB) não o seja, a forma de produção normativa no Brasil deve ser alterada. Por diversas razões. Ela faz com quem seja inviável ter acesso rápido e coeso às normas em vigor. Cada publicação gera choque na vida de pessoas e empresas. É necessário se debruçar sobre o novo texto e de lhe dar interpretação. Demanda-se tempo de adaptação às disposições. Negócios são impactados. A liberdade de atuação é restringida, revisitada, acuada.
Há outra afirmação jurídica que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (prevista no art. 2º, II, da CF). Deveríamos poder conhecer, ao menos, as normas que nos impõem condicionamentos, limitações. Quais são elas? Quem as edita? Por qual razão?
Vamos a exemplo do problema. O sistema de busca de legislação no site da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é divido em critérios. Há resoluções, súmulas, deliberações, portarias. A última resolução publicada, datada de 21 de fevereiro de 2019, é a de nº 5.841. Qual o conteúdo de todas elas? São efetivamente necessárias? Quais estão revogadas? Todas produzem efeitos jurídicos? Há relação entre elas e outros atos normativos editados pela ANTT ou por outros órgãos e entidades? Como impactam empresas e usuários submetidos à regulação?
A imensa atividade de produção normativa espanta. Pensemos no seguinte: a ANTT foi criada pela Lei 10.233/2001; num cálculo bastante simples, cada ano possui 250 dias úteis; considerando que 18 anos se passaram desde a sua criação (ou 4.500 dias úteis), a ANTT tem editado mais de uma resolução por dia útil. Se fossemos considerar os demais atos normativos (portarias, deliberações...), o resultado seria ainda mais espantoso (obscuro, desastroso...). Em sentido diverso, há apenas uma (sim, uma...) súmula, que data de 18 de julho de 2018. Se um dos objetivos das agências reguladoras é o de garantir uniformidade, previsibilidade e tecnicidade para os setores que ordenam, não deveríamos ter menos resoluções e portarias e mais súmulas (que consolidariam o entendimento sobre determinada matéria)?
A problemática não é exclusiva da ANTT. Pensemos no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Tente encontrar em seu site ato normativo que discipline o procedimento de aplicação de penalidades (algo relevante para todos os agentes setoriais). A pesquisa pela palavra penalidades provê 211 resultados. Quais os atos normativos relevantes? Há algum geral, que trate indistintamente do tema? Não deveria haver compilação simples, para fácil visualização geral?
E se extrapolássemos o exercício para todas as leis veiculadas por Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas e para os atos normativos delas derivados? Sobra normatização e falta certeza...
Precisamos de comportamentos legislativos opostos, como instrumento para que pessoas físicas e jurídicas saibam ao que se sujeitam e os porquês da sujeição. Um deles passa pela revisão de estoques regulatórios, com identificação de normas que podem ser revogadas, compiladas e atualizadas: simplificação no processo de elaboração, de produção e de divulgação de leis.
Também deveria haver esforço para se garantir acesso simples a conjuntos de atos normativos que disciplinam certo tema. Não é preciso muito: basta disponibilizá-los em site institucional, de forma organizada, com adoção de linguagem simples, acessível. Se a ninguém é escusado o desconhecimento da lei, o mesmo se aplica à administração pública. Verificar leis, decretos e regulamentos em vigor e publicá-los deveria ser algo singelo, não?
A recém-publicada Medida Provisória 881/2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, lida com problemas históricos da burocracia brasileira.
Aprovação tácita em caso de não manifestação de órgãos, segurança jurídica para a inovação não regulada e imposição geral de análise de impacto regulatório são bons avanços. Representam mudanças para melhoria do ambiente de negócios. Mas precisamos ir além. Sua conversão em lei pode, e deve, tratar de problemas de criação legislativa.
A ordenação precisa ser coerente e compreensível. Leis e expedientes burocráticos ou que tenham se mostrado obsoletos não são bem quistos. Contrariam o desenvolvimento e a livre iniciativa, reconhecidos constitucionalmente. O Estado precisa mudar posturas. Precisamos de simplificação legislativa, de reconhecimento da liberdade de atuação.
FONTE: https://www.valor.com.br/legislacao/6273101/pela-simplificacao-legislativa