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28 de novembro de 2018
CULTURA É CIVILIZAÇÃO
Tenho lido que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, pretende fundir o Ministério da Cultura com o da Educação e talvez outros. Ao longo da campanha, muitos artistas se posicionaram frontalmente contra o candidato, que venceu as eleições. O resultado é a dificuldade, neste momento, de estabelecer um diálogo construtivo.
Sobre este assunto, muito do que leio em redes sociais, atualmente, me espanta. A maior tolice, por exemplo, é a de que "governos do PT usaram a Lei Rouanet para comprar os artistas". Ora, isso demonstra total desconhecimento do mundo real, pois, como se deveria saber, o ministro da Cultura mais longevo no período, Juca Ferreira, era crítico ao texto atual da lei, que prevê a renúncia fiscal de 100% dos impostos devidos por empresas privadas que, por sua vez, destinam recursos públicos para os projetos de sua escolha. Assim, esta é justamente a principal qualidade da Rouanet: por ser renúncia fiscal, não acontece direcionamento político!
O resultado disso é que os maiores beneficiários são instituições culturais como museus, institutos, orquestras de um lado e os grandes espetáculos de teatro musical de outro. Com certeza, estamos falando de atividades frequentadas por quem anda gritando contra a lei.
Assim, pergunto: é necessário um Ministério da Cultura? Depende. Se for para ter um ministério esvaziado, sem recursos e sem relevância, para quê? Só faz sentido se for uma demonstração efetiva do novo governo de reconhecimento do papel transformador e civilizatório da cultura. Não se trata sequer de orçamento, mas de compreensão do significado da cultura em seu sentido mais amplo.
A nação mais forte economicamente do mundo hoje compreendeu isso e soube utilizar essa ferramenta para se tornar hegemônica. Antes da Segunda Guerra Mundial, o mundo falava francês e consumia produtos europeus. O cinema americano estava consolidado em território nacional, no entanto, tinha enormes dificuldades de alcançar outros mercados.
Ao fim da guerra, com os países europeus destruídos, os EUA ofereceram o Plano Marshall, que previa auxílio econômico e continha um artigo que proibia toda e qualquer lei de restrição para produtos culturais, cinema em especial. A MPA (associação privada que cuida dos interesses dos produtores americanos) já tinha, desde os anos 30, seu escritório dentro da Casa Branca! A partir do fim dos anos 40, artistas começam a fazer excursões promovendo novos lançamentos de diversos filmes que tinham como cenários as cidades europeias.
Quem ller este artigo pode pensar que se tratava de arrecadar dinheiro com bilheterias. Também. Contudo, o mais importante foi vender um modo de vida e conquistar "corações e mentes". Por que no mundo inteiro as pessoas vestem calças jeans, ouvem rock e comem hambúrguer? Foi a maciça exposição de sucessivas gerações ao cinema americano que levou os EUA a se tornarem potência hegemônica, através de sua cultura.
Cultura não é perfumaria, fru-fru, coisa de desocupado, de "artista". Cultura é como uma sociedade se constrói e fortalece seus valores mais caros. É como uma nação adquire autoestima. A França perdeu a hegemonia como potência, mas conseguiu manter o valor de sua "marca". Ainda vende moda, perfumes, vinhos, queijos, literatura, cinema etc., por ser conhecida como a terra da...Cultura!
A Itália, que já teve mais governos que partidos, é conhecida por...design. Com isso vende moda, carros, moveis, e muito mais.
De outro lado, é estimulando a produção e circulação de obras culturais originais e arriscadas, muitas vezes esquisitas, que se avança. Quando os impressionistas abriram sua primeira exposição coletiva, em 1874, a crítica foi cruel. Hoje são os quadros mais valiosos do mundo. Quem não tem pelo menos um imã de geladeira ou porta-copo em casa com a reprodução de uma tela?
Sugiro ao futuro presidente que avalie a importância da cultura e a relevância que a mesma pode ter para o fortalecimento da nação, na área econômica, por exemplo, gerando empregos, sobretudo entre os jovens e, no âmbito criativo, dos inúmeros artistas brasileiros. Cultura é civilização!
André Sturm é secretário municipal de Cultura de São Paulo
FONTE: https://www.valor.com.br/cultura/6001599/cultura-e-civilizacao
FONTE: https://www.valor.com.br/cultura/6001599/cultura-e-civilizacao