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Notícias

11 de outubro de 2018

ILEGALIDADES NA TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARES

O Conselho de Política Fazendária (Confaz) publicou, em outubro de 2017 o Convênio ICMS nº 106, com o objetivo de disciplinar os procedimentos de cobrança do tributo sobre operações com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados. Incorporadas às legislações dos Estados e do Distrito Federal por meio de decretos, suas diretrizes passaram a vigorar neste ano em praticamente todas as unidades da Federação.

A disponibilização de software e serviços relacionados via download ou streaming eram tributados por municípios, via cobrança de Imposto Sobre Serviços (ISS). Assim permanece. Porém, com o convênio do Confaz, o ICMS, de competência estadual, passou a incidir sobre a atividade. Além da bitributação, traz consigo outras inconstitucionalidades.

Dentre muitas definições, o convênio criou a figura do "estabelecimento virtual" ao elencar sites e plataformas eletrônicas que realizem venda ou disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico, de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados como estabelecimentos autônomos, sujeitos à Inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS.

Estabeleceu também que nas saídas com bens ou mercadorias digitais realizadas pelo "estabelecimento virtual" por meio de transferência eletrônica de dados, destinadas a consumidor final, o ICMS deve ser recolhido em favor da unidade federada onde estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente.

Ao definir que o site ou plataforma eletrônica de venda da mercadoria ou bem digital deve ser considerado como estabelecimento autônomo, devendo ter inscrição estadual e considerar como o local do pagamento do ICMS o Estado de domicílio do adquirente, os decretos estaduais, bem como o convênio, adotaram a premissa de existência de um 'estabelecimento virtual', não previsto em nosso ordenamento jurídico que, ao contrário, vincula o estabelecimento à sua presença física.

O Código Civil dispõe, no artigo 1.142, que estabelecimento é o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. A Lei Complementar 87/96, definiu, no §3º do art. 11, que o estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias. Não sendo possível determiná-lo, o estabelecimento deve ser considerado no local em que tenha sido efetuada a operação.

A Lei Complementar 87/96 estabelece, em seu art. 11, I, "a", que o local da operação para cobrança do ICMS deve ser o do estabelecimento onde se encontra a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador, sendo que este se dá, conforme o art. 12, no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte.

No âmbito do direito tributário, a Constituição Federal determina, em seus artigos 146, III e 155, §2º, XII, "d", que apenas Lei Complementar tem a competência para definir as normas gerais de legislação tributária, especialmente do ICMS quanto à fixação do local das operações para efeito de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável. Portanto, não é possível considerar o site ou plataforma digital como 'estabelecimento virtual' e definir o local do pagamento no Estado onde está o destinatário da mercadoria, por falta de previsão na LC 87/96. Em suma, o Convênio ICMS nº 106/17 extrapolou suas competências e invadiu as da Lei Complementar de forma inconstitucional e ilegal.

Este entendimento é manifestado pelo STF, por exemplo, em recente decisão cautelar da ADI 5.866, em que foi deferido parcialmente o pedido cautelar das autoras para suspensão de efeitos de algumas cláusulas do Convênio ICMS 52/2017 por afronta ao princípio da reserva legal, previsto nos artigos 146, III, 150, § 7º, e 155, § 2º, XII da CF/88, ao invadir a competência constitucional da lei complementar de dispor sobre normas gerais de legislação tributária.

O fato de o STF já ter rechaçado outras tentativas inconstitucionais de delimitação do ICMS por meio de atos inferiores à Lei Complementar deixa claro que se está diante de invasão de competência endêmica, que já foi repudiada pelo Poder Judiciário em outras situações e deve ser novamente afastada.

É urgente a suspensão dos decretos estaduais que fizeram vigorar o Convênio ICMS 181, em função de todo o arcabouço legal criado, sendo patente e inequívoco que os contribuintes passarão a sofrer injusta bitributação, pelos Estados e municípios, em total afronta aos princípios constitucionais da legalidade, do pacto federativo, da segurança jurídica, da capacidade contributiva e do não confisco.

A manutenção destes decretos gera insegurança jurídica que compromete investimentos em novas tecnologias. O segmento de softwares é dos mais inovadores da economia nacional e não pode ter sua competitividade comprometida por uma injusta sobrecarga tributária.

Fernanda Nogueira é sócia do escritório Machado Nogueira Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: https://www.valor.com.br/legislacao/5916403/ilegalidades-na-tributacao-de-softwares