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29 de dezembro de 2017
CORREÇÃO DE RUMOS
Se 2015 foi o ano em que o Tribunal de Contas veio à luz e foi reconhecido socialmente pela atuação técnica na investigação das indigitadas pedaladas fiscais do governo federal e na análise das contas presidenciais do exercício anterior, em 2017 a instituição foi notada pela sua faceta negativa, associada à ineficiência e à corrupção.
Não por acaso, uma vez que neste ano as Cortes de contas ocuparam com maior frequência as manchetes policiais, com destaque para as derivações da Operação Lava-Jato que atingiram em cheio os tribunais do Rio de Janeiro e do Mato Grosso. A exuberância destes e de outros episódios Brasil afora apenas reforçaram o descrédito institucional e o apelo negativo dos tribunais junto à sociedade para a qual presta seus serviços. A primeira impressão, aquela de 2015, desafortunadamente, não foi a que ficou.
Devemos reconhecer que as disfunções que há tanto afetam o funcionamento das instituições de controle externo, e que as torna vulneráveis à captura política e práticas clientelistas, foram exibidas com maior vigor em 2017, porém, não podemos deixar de salientar um aspecto positivo nas fraturas expostas.
É que identificar fraquezas representa uma oportunidade única de encontrar melhorias, abrindo caminhos para o aperfeiçoamento.
Cogitar desistir totalmente do modelo ou abrir mão de tão essencial instituição porque ela não funciona perfeitamente seria irracional, além de irresponsável. Ao invés disso, é necessário corrigir os rumos e acertar os ponteiros.
Os tribunais de contas do Brasil, inobstante sejam instituições centenárias, surgidas ao final do século XIX, dando uma dimensão republicana à incipiente democracia nacional, ainda demonstram muito pouco do seu potencial no desenvolvimento de uma governança ética, econômica e eficiente. A atuação técnica promovida em 2015 retrata apenas uma fração do que estes órgãos podem oferecer em termos de prevenção, controle e responsabilização na esfera pública.
Mesmo com o arranjo inteiramente novo de competências trazido pela Constituição de 1988, estes órgãos não têm conseguido corresponder à confiança que lhes foi depositada, apresentando resultados condizentes com o aparato avançado de que dispõem.
Auditorias operacionais de performance, controle pari passu das obras de infraestrutura, termos de ajustamento de gestão, auditorias éticas e fiscalização da governança pública, são apenas alguns exemplos que compõem o arsenal de ferramentas dos quais os tribunais podem se valer para proteger o bem coletivo e aprimorar a administração pública.
Diante disso, seria muito melhor que promovêssemos a construção conjunta (nós, o povo) de um novo patamar institucional aos tribunais de contas, do que esperar, inertes, a destruição definitiva de sua credibilidade.
Sem instituições de qualidade, a democracia ou é uma fachada ou uma autocracia disfarçada, cabendo à sociedade não enveredar por estes caminhos, pois é ela quem oferece às instituições o combustível necessário para atuar adequadamente, ou seja, a legitimação.
No caso das instituições republicanas de controle, a exigência de legitimidade é ainda mais forte, vez que constituem os olhos atentos do povo sobre os seus representantes.
Talvez seja este o aspecto crucial para o fortalecimento da legitimidade dos tribunais de contas: pensar estratégias para aproximá-los da população, por meio da transparência e da visibilidade de suas ações, sujeitando-os, eles próprios, à fiscalização, de modo a corrigir a incoerência histórica brasileira do controle descontrolado.
O fosso de desconfiança que separa a sociedade do sistema de controle externo deriva, em boa medida, da sua própria incapacidade de apresentar resultados, de ser inteligível, e de demonstrar, de forma clara, os benefícios que podem advir de uma atuação eficaz e impermeável a influências externas.
No mais, apenas a força do povo pode inserir estes problemas na pauta política próxima, contaminada por interesses paroquiais e pelos grupos corporativos, e alçar os órgãos de controle externo ao nível das altas expectativas que pesam sobre eles.
O ritmo desta caminhada rumo à reformulação das Cortes de contas será, portanto, determinado pelo envolvimento da sociedade na causa.
O que não podemos - e espero que não seja este o futuro dos tribunais de contas - é perceber as falhas como insuperáveis e não dar boas-vindas às propostas de melhoramento, como se estivéssemos na "colmeia ruidosa" de que falava a Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville, que não conseguiu sobreviver depois que foram eliminados os vícios e a corrupção e substituídos pela virtude.
Doris de Miranda Coutinho é conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, Doutoranda em Direito Constitucional na Universidade de Buenos Aires. Especialista em Política e Estratégia e em Gestão Pública com ênfase em controle externo. Membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros. Escritora e pesquisadora
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FONTE : http://www.valor.com.br/legislacao/5240501/correcao-de-rumos