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27 de julho de 2017
A Lei kandir e os créditos dos exportadores
Na maioria dos países, a tributação sobre o comércio exterior é definida pelo governo central (União). No Brasil, porém, a Constituição de 1988 permitia que as exportações fossem taxadas pelos Estados por meio do ICMS, o que se mostrou um grande equívoco, já que comércio exterior deve ser visto como uma questão nacional ao invés de local. O objetivo é estimular a exportação de mercadorias e não de tributos. É necessário que elas estejam o mais barato possível para conquistar os mercados internacionais.
Pela Lei Complementar 87/96, conhecida por Lei Kandir, tornou-se vedado aos Estados cobrar ICMS sobre a exportação de mercadorias, o que reduziu sua arrecadação. A União através do denominado Fundo da Lei Kandir, buscou compensar essas perdas. Esse fundo foi calculado em bases técnicas e era para ser temporário, evitando que os Estados dependessem desses valores e buscassem mudar sua base econômica. Ocorre que ele acabou se transformando em permanente e, a partir de certa data, com valores e rateio efetuados de forma política, e não mais técnica.
Como é sabido, mesmo não havendo tributação na exportação, permanecem resíduos econômicos decorrentes dessa incidência, pois, como o ICMS incide em cada etapa econômica, seria necessário isentar toda a cadeia produtiva para que o peso do tributo fosse efetivamente retirado do preço das mercadorias. A obrigação de ressarcir os exportadores pelo ônus fiscal do ICMS de toda a cadeia produtiva foi inserida na Constituição pela Emenda 42/03 (art. 155, §2º, X, "a"). Por ele, todos os resíduos econômicos da tributação da cadeia exportadora deveriam ser ressarcidos aos exportadores.
A Emenda 42/03 acresceu também o art. 91 ao ADCT, onde consta foi criada uma espécie de obrigação da União em financiar os Estados a pagar esses valores, em montante a ser definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar algumas variáveis.
O Estado do Pará propôs uma ação judicial contra a União, perante o Supremo Tribunal Federal (ADO 25), em agosto de 2013 (10 anos após a EC 42), tendo mais de 15 outros Estados como amici curiae, que foi julgada em novembro de 2016 identificando a mora legislativa da União, e dando-lhe 12 meses para legislar a respeito. á antevendo a possibilidade de o Congresso não legislar a respeito, decidiu o STF, acompanhando o voto do relator, Min. Gilmar Mendes, determinar ao TCU duas incumbências: a) fixar o valor do montante total a ser transferido aos Estados, considerando os critérios acima transcritos; e b) calcular o valor das quotas a que cada um dos Estados fará jus, conforme os entendimentos realizados no âmbito do Confaz.
Aqui se apresenta o problema, pois, caso o Poder Legislativo não legisle até novembro do corrente ano, a decisão sobre o rateio federativo desse montante será efetuado pelo TCU, ouvido o Confaz, órgão composto por todos os secretários de Fazenda dos Estados, e presidido pelo Ministro da Fazenda.
Chama a atenção o silêncio ensurdecedor nos debates que vêm ocorrendo: vão ser ressarcidos os resíduos econômicos decorrentes da cobrança de ICMS na cadeia exportadora? Não se pode ler o art. 91 do ADCT sem conectá-lo direta e imediatamente ao art. 155, §2º, X, "a" da Constituição - ambos criados pela mesma EC 42, de 2003. Aliás, a própria petição inicial da ADO 25 faz a conexão entre os dois artigos, embora, a partir daí, tenha ocorrido um silêncio completo quanto ao tema.
Pelo que está na Constituição é óbvio que os Estados têm que devolver esses resíduos às empresas exportadoras por meio de seus próprios recursos, porém, isso é muito incomum, e os poucos Estados que adotam essa prática não a fazem de forma regular. Esse ressarcimento é o que justifica o "Fundo da Lei Kandir", que tem sido pago pelo Governo Federal desde 1996.
É difícil ter uma ideia de como será realizado esse ressarcimento, à medida que a norma é extremamente confusa. O que se sabe é que tem que se levar em consideração: as vendas para o exterior de produtos primários e semielaborados; a relação entre o que é exportado e importado; os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a garantia de que os exportadores poderão utilizar os créditos de ICMS. Na decisão sobre o ressarcimento alguma dessas questões irá se sobrepor à outra? Serão consideradas de forma isolada? Impossível saber.
O Protocolo ICMS 69/2008 trouxe um esboço de como esse cálculo pode ser realizado, mas o mesmo não foi reconhecido pelos Estados e também não abordou a questão do ressarcimento às exportadoras.
Tudo indica que o Legislativo ou o TCU decidirá a questão de forma amplamente favorável aos Estados - talvez haja a possibilidade até mesmo de obter efeito retroativo parcial desde 2013 ou 2016. Os municípios receberão 25% desse montante (art. 91, §1º, ADCT). Porém, e as empresas exportadoras? Como e quando obterão a devolução dos resíduos econômicos de ICMS cobrados na cadeia produtiva? A União conseguirá a tão sonhada meta de aumentar as exportações nacionais?
É necessário que todos os envolvidos estejam atentos para os movimentos que vem sendo feitos no âmbito do Congresso Nacional e do TCU, pois correm o risco de ficar a ver navios no seu direito de crédito jamais ressarcido integralmente.
Fernando Facury Scaff é sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados e professor da Universidade de São Paulo.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: http://www.valor.com.br/legislacao/5055648/lei-kandir-e-os-creditos-dos-exportadores
Pela Lei Complementar 87/96, conhecida por Lei Kandir, tornou-se vedado aos Estados cobrar ICMS sobre a exportação de mercadorias, o que reduziu sua arrecadação. A União através do denominado Fundo da Lei Kandir, buscou compensar essas perdas. Esse fundo foi calculado em bases técnicas e era para ser temporário, evitando que os Estados dependessem desses valores e buscassem mudar sua base econômica. Ocorre que ele acabou se transformando em permanente e, a partir de certa data, com valores e rateio efetuados de forma política, e não mais técnica.
Como é sabido, mesmo não havendo tributação na exportação, permanecem resíduos econômicos decorrentes dessa incidência, pois, como o ICMS incide em cada etapa econômica, seria necessário isentar toda a cadeia produtiva para que o peso do tributo fosse efetivamente retirado do preço das mercadorias. A obrigação de ressarcir os exportadores pelo ônus fiscal do ICMS de toda a cadeia produtiva foi inserida na Constituição pela Emenda 42/03 (art. 155, §2º, X, "a"). Por ele, todos os resíduos econômicos da tributação da cadeia exportadora deveriam ser ressarcidos aos exportadores.
A Emenda 42/03 acresceu também o art. 91 ao ADCT, onde consta foi criada uma espécie de obrigação da União em financiar os Estados a pagar esses valores, em montante a ser definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar algumas variáveis.
O Estado do Pará propôs uma ação judicial contra a União, perante o Supremo Tribunal Federal (ADO 25), em agosto de 2013 (10 anos após a EC 42), tendo mais de 15 outros Estados como amici curiae, que foi julgada em novembro de 2016 identificando a mora legislativa da União, e dando-lhe 12 meses para legislar a respeito. á antevendo a possibilidade de o Congresso não legislar a respeito, decidiu o STF, acompanhando o voto do relator, Min. Gilmar Mendes, determinar ao TCU duas incumbências: a) fixar o valor do montante total a ser transferido aos Estados, considerando os critérios acima transcritos; e b) calcular o valor das quotas a que cada um dos Estados fará jus, conforme os entendimentos realizados no âmbito do Confaz.
Aqui se apresenta o problema, pois, caso o Poder Legislativo não legisle até novembro do corrente ano, a decisão sobre o rateio federativo desse montante será efetuado pelo TCU, ouvido o Confaz, órgão composto por todos os secretários de Fazenda dos Estados, e presidido pelo Ministro da Fazenda.
Chama a atenção o silêncio ensurdecedor nos debates que vêm ocorrendo: vão ser ressarcidos os resíduos econômicos decorrentes da cobrança de ICMS na cadeia exportadora? Não se pode ler o art. 91 do ADCT sem conectá-lo direta e imediatamente ao art. 155, §2º, X, "a" da Constituição - ambos criados pela mesma EC 42, de 2003. Aliás, a própria petição inicial da ADO 25 faz a conexão entre os dois artigos, embora, a partir daí, tenha ocorrido um silêncio completo quanto ao tema.
Pelo que está na Constituição é óbvio que os Estados têm que devolver esses resíduos às empresas exportadoras por meio de seus próprios recursos, porém, isso é muito incomum, e os poucos Estados que adotam essa prática não a fazem de forma regular. Esse ressarcimento é o que justifica o "Fundo da Lei Kandir", que tem sido pago pelo Governo Federal desde 1996.
É difícil ter uma ideia de como será realizado esse ressarcimento, à medida que a norma é extremamente confusa. O que se sabe é que tem que se levar em consideração: as vendas para o exterior de produtos primários e semielaborados; a relação entre o que é exportado e importado; os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a garantia de que os exportadores poderão utilizar os créditos de ICMS. Na decisão sobre o ressarcimento alguma dessas questões irá se sobrepor à outra? Serão consideradas de forma isolada? Impossível saber.
O Protocolo ICMS 69/2008 trouxe um esboço de como esse cálculo pode ser realizado, mas o mesmo não foi reconhecido pelos Estados e também não abordou a questão do ressarcimento às exportadoras.
Tudo indica que o Legislativo ou o TCU decidirá a questão de forma amplamente favorável aos Estados - talvez haja a possibilidade até mesmo de obter efeito retroativo parcial desde 2013 ou 2016. Os municípios receberão 25% desse montante (art. 91, §1º, ADCT). Porém, e as empresas exportadoras? Como e quando obterão a devolução dos resíduos econômicos de ICMS cobrados na cadeia produtiva? A União conseguirá a tão sonhada meta de aumentar as exportações nacionais?
É necessário que todos os envolvidos estejam atentos para os movimentos que vem sendo feitos no âmbito do Congresso Nacional e do TCU, pois correm o risco de ficar a ver navios no seu direito de crédito jamais ressarcido integralmente.
Fernando Facury Scaff é sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados e professor da Universidade de São Paulo.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: http://www.valor.com.br/legislacao/5055648/lei-kandir-e-os-creditos-dos-exportadores