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Do Licenciamento de Software Estrangeiro e a Tributação do PIS/COFINS - Importação
A tributação do licenciamento de softwares tem sido matéria controversa nos Tribunais e vem se estendendo desde o século passado.
O Supremo Tribunal Federal, em 10/11/1998, Recurso Extraordinário nº 176.626/1998, estabeleceu a distinção, que perdurou por mais de duas décadas, entre as diferentes espécies de software, conforme seu desenvolvimento. Distinguiu os chamados programas “de prateleira”, aqueles concebidos para utilização por uma pluralidade de utilizadores, com pacote de programas bem definidos, dos softwares “por encomenda”, desenvolvidos para atender as necessidades específicas de determinado usuário. Tratou os primeiros como mercadorias, considerando a transação como obrigação de dar; e como serviço o segundo, representando esta obrigação de fazer, consistente com o desenvolvimento do programa.
Contudo, decisões recentes da Suprema Corte alteraram este entendimento. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5659 e 1945, o entendimento quanto à incidência do ICMS e do ISS sobre as operações foi alterado, com decisão da Corte pelo afastamento da incidência do ICMS sobre as operações, reconhecendo a incidência do ISS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de softwares, seja através de fornecimento personalizado por meio do comércio eletrônico direto, seja pelo licenciamento ou cessão de direito de uso. Para a maioria dos ministros, restou demonstrada obrigação de fazer na confecção dos softwares, pelo esforço intelectual empreendido, bem como nos serviços constantes prestados aos usuários, já que o programa utilizado pelo consumidor não fica armazenado em disco rígido do computador do usuário, mas permanece online, em “nuvem”. Assim, as empresas que concedem a licença no uso desses programas devem constantemente gerenciar, monitorar e disponibilizar recursos físicos e digitais para viabilizar o modelo de computação proposto. Todas essas ações necessitam de esforço humano, de profissionais que detenham conhecimento sobre computação, demonstrando a existência de obrigações de fazer em favor do usuário.
Com essa alteração de entendimento da Suprema Corte, restam reflexos na tributação do PIS e da Cofins sobre as operações com programas de computador, em especial quanto aos softwares desenvolvidos no exterior.
No posicionamento anterior do STF, que caracterizava o software “de prateleira” como uma mercadoria, entendia-se que a incidência do PIS/Cofins ocorreria apenas caso houvesse importação física do software, considerado o valor aduaneiro da operação pelo custo do suporte físico propriamente dito, em que estaria contido o software. No caso de licença de uso de software “de prateleira” sem suporte físico, não havia a incidência das contribuições, pela falta de valor aduaneiro, que é base de cálculo para o pagamento do PIS/Cofins – Importação. Se os softwares fossem “por encomenda”, para uso próprio do adquirente, atendendo às suas necessidades específicas, incidia o PIS/Cofins – Importação, pela sua caracterização como prestação de serviço, que é fato gerador para a incidência das contribuições sociais.
Com o novo posicionamento da Corte Suprema, os licenciamentos de softwares, mesmo os de “prateleira”, não mais se caracterizam como mercadorias, ficando embutido caráter de obrigação de fazer nas operações com esses programas. Assim, restando caracterizada prestação de serviço, haveria incidência de PIS/Cofins sobre quaisquer valores, em conformidade com os arts. 3º e 7º da Lei nº 10.865/2004, que dispõem sobre o fato gerador e a base de cálculo do PIS/Cofins – Importação.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) recentemente julgou a controvérsia, em acórdão de nº 3201-009.359, tratando da questão semântica do termo “uso de software importado”, pela implicação desse conceito na determinação da base de cálculo e do fato gerador do PIS/Cofins – Importação, já que os arts. 3º e 7º da Lei nº 10.865/2004 determinam o cálculo das contribuições com base no valor aduaneiro, ou seja, o valor pago na entrada de produtos estrangeiros em território nacional.
No voto vencedor, houve a desvinculação do conceito de software importado do Direito Aduaneiro, mencionando a desnecessidade do desembaraço na importação, retirando o caráter de mercadoria do software, entendendo o termo software importado como programa desenvolvido fora do País e para cá “trazido” por qualquer meio, seja em suporte físico, seja por meio de download pela internet.
A Receita Federal do Brasil, contudo, se prende a dicotomia da antiga decisão do STF, tratando a tributação do software de maneira distinta, conforme a natureza da operação realizada. Na Solução de Consulta Cosit nº 303/2017, o Fisco entendeu que, na importação de software realizada mediante adesão a contrato de licença de uso, sem o suporte físico, o valor aduaneiro tenderia a ser nulo; e como a base de cálculo do PIS/Cofins – Importação é definida pelo valor aduaneiro, não haveria a incidência das contribuições sobre essa operação de importação. Contudo, na presença de quaisquer requisitos indicando a prestação de serviços, a exemplo da manutenção, suporte, treinamento, haveria a incidência do PIS/Cofins sobre os valores pagos ou remetidos ao exterior, como contraprestação aos serviços prestados. Assim, caberia ao contribuinte a indicação, em contrato de licenciamento, dos requisitos que acusassem a prestação de serviços, para caracterização da operação como simples venda de mercadoria, ou como prestação de serviço.
Assim, demonstra-se descompasso entre a recente decisão da Suprema Corte e o atual entendimento do Fisco quanto à tributação dos contratos de licenciamento de softwares, provocando insegurança no setor empresarial, que tem nos softwares estrangeiros insumo indispensável à sua atividade produtiva. A convergência de entendimento entre os Tribunais e o Fisco seria benéfico não apenas ao setor produtivo, mas ao próprio Poder Judiciário, pela possibilidade de resolução de quantia exorbitante de processos que versam sobre a controvérsia.
Caio de Moraes Lago
OAB 87.155